Relações entre física e outras ciências
H. Moysés Nussenzveig,
Professor Emérito do Instituto de Física da UFRJ.
A física é em muitos sentidos a mais fundamental das ciências naturais, e é também aquela cuja formulação atingiu o maior grau de refinamento.
Com a explicação da estrutura atômica fornecida pela mecânica quântica, a química pode ser considerada de certa forma como sendo um ramo da física. A física forneceu a explicação da ligação química, e a estrutura e propriedades das moléculas podem ser calculadas "em princípio" resolvendo problemas de física. Isto não significa que o sejam na prática, exceto em alguns casos extremamente simples. De fato, na imensa maioria dos casos, os sistemas químicos são demasiado complexos para serem tratáveis fisicamente, mesmo com auxílio dos computadores mais poderosos disponíveis, o que significa que os métodos específicos extremamente engenhosos elaborados pelos químicos para tratar estes problemas continuam sendo indispensáveis. Entretanto, não temos razões para duvidar de que as interações básicas responsáveis pelos processos químicos sejam já conhecidas e reduzidas a termos físicos.
A situação com respeito à biologia é até certo ponto análoga, se bem que a compreensão em termos de leis físicas se encontre ainda num estágio muito mais primitivo. Muitas das peculiaridades dos sistemas biológicos resultam de serem eles fruto de uma evolução histórica (a teoria de Darwin da evolução é fundamental na biologia), fator este que não é usualmente considerado para sistemas físicos. Entretanto, os avanços recentes da biologia molecular têm atuado no sentido de estabelecer uma maior aproximação entre a biologia e a física, e a evolução do Universo é o tema central da cosmologia.
A física deve grande parte de seu sucesso como modelo de ciência natural ao fato de que sua formulação utiliza uma linguagem que é ao mesmo tempo uma ferramenta muito poderosa: a matemática. Na expressão de Galileu, "A ciência está escrita neste grande livro colocado sempre diante de nossos olhos - o Universo - mas não podemos lê-lo sem apreender a linguagem e entender os símbolos em termos dos quais está escrito. Este livro está escrito na linguagem matemática".
É importante compreender bem as relações entre física e matemática. Bertrand Russell definiu a matemática como "A ciência onde nunca se sabe de que se está falando nem se o que se está dizendo é verdade" para caracterizar o método axiomático: tudo é deduzido de um conjunto de axiomas, mas a questão da "validade" desses axiomas no mundo real não se coloca. Hilbert, ao axiomatizar a geometria, disse que nada deveria se alterar se as palavras "ponto, reta, plano" fossem substituídas por "mesa, cadeira, copo". Conforme o conjunto de axiomas adotado, obtém-se a geometria euclidiana ou uma das geometrias não-euclidianas, mas não tem sentido perguntar, do ponto de vista da matemática, qual delas é "verdadeira".
Na física, como ciência natural, essa pergunta faz sentido: qual é a geometria do mundo real? A experiência mostra que, na escala astronômica, aparecem desvios da geometria euclidiana.
A física é muitas vezes classificada como "ciência exata", para ressaltar seus aspectos quantitativos. Já no século VI A.C., a descoberta pela Escola Pitagórica de algumas das leis das cordas vibrantes, estabelecendo uma relação entre sons musicais harmoniosos e números inteiros (proporção entre comprimentos de cordas que emitem tons musicais) levou à convicção de que "Todas as coisas são números".
Embora a formulação em termos quantitativos seja muito importante, a física também lida com muitos problemas interessantes de natureza qualitativa. Isto não significa que não requerem tratamento matemático: algumas das teorias mais difíceis e elaboradas da matemática moderna dizem respeito a métodos qualitativos.
1 comentários:
bem interessante
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